Nóticias IAC

Os 30 anos do Programa Cana IAC na narrativa de seu líder

Entrevista com Marcos Guimarães de Andrade Landell, pesquisador, líder do Programa Cana IAC e diretor-geral do Instituto Agronômico (IAC)

O Programa Cana IAC nasceu para...

M.L.: O Programa Cana IAC nasceu para atender a uma demanda importante do setor canavieiro. Naquela ocasião do seu nascedouro, a cadeia sucroenergética tinha acabado de se tornar a principal do agro paulista. Isso se deu no final da década de 1980. Coincidentemente, o IAC havia encerrado sua seção de cana-de-açúcar por falta de recursos humanos - vários pesquisadores antigos tinham se aposentado. Naquele mesmo período, duas grandes estruturas de pesquisa canavieira do Brasil: o Planalsucar e a Copersucar, frutos do ProÁlcool, sofreram impactos negativos para sua continuidade, o que motivou uma reflexão e demanda para que o IAC recriasse linhas de pesquisa que atendessem às principais necessidades desse setor em São Paulo.

Essa tarefa foi entregue ao doutor Pery Figueiredo, que escalou o doutor Mário Campana, que atuava no IAC de Jaú, e o jovem doutor Marcos Landell para compor o novo desenho para a pesquisa canavieira do Instituto Agronômico. Na sequência, outros importantes pesquisadores se integraram ao grupo, tais como a doutora Leila Dinardo, grande nematologista de cana, e a doutora Raffaella Rossetto, especialista na área de nutrição da cana-de-açúcar.

 Nós tivemos a ideia de montar um centro virtual, na era da não virtualidade, e chamamos isso de programa, um pouco espelhado nos modelos de gestão de pesquisa em áreas da agricultura existentes na Austrália. Nesse novo desenho, não havia obrigatoriedade de que todos os integrantes da equipe técnica do Programa fossem do Instituto Agronômico. Nós identificávamos pesquisadores e colegas do setor que pudessem construir e desenvolver projetos do Programa Cana IAC e os convidávamos para interagir conosco. Citamos como exemplo o professor da Unesp de Jaboticabal, doutor Dilermano Perecin, que veio a ser importante pesquisador na área de Estatística durante esses 30 anos de existência do Programa Cana IAC.

Na época, por exemplo, nós não tínhamos laboratórios. O presidente da Coopercana, Manoel Ortolan, integrou-se a esse esforço, oferecendo o laboratório de análises tecnológicas para executar as avaliações dos campos experimentais do IAC. Esse modelo acabou impactando positivamente os custos.

Fomos trazendo áreas interessantes do conhecimento para o Programa Cana. Trouxemos o dr. Hélio do Prado do Centro de Solos do IAC para caracterizar os ambientes de produção do Programa Cana e interpretar os comportamentos das variedades testadas em diferentes tipos de solos.

Em 1991, criamos o Grupo Fitotécnico IAC com a finalidade de ser um prospector de demandas para identificar áreas descobertas de informação, onde também podíamos socializar o conhecimento gerado. Passamos a ter esse fluxo dentro do setor de cana. Inicialmente era restrito à região de Ribeirão Preto e foi se expandindo para todas as regiões do Estado de São Paulo, até alcançar Goiás, Paraná, Mato Grosso do Sul, Mato Grosso, Minas Gerais, região Nordeste do Brasil e países da América Latina. Nossos resultados passaram a ser adotados pelas empresas e ficamos muito conhecidos, com inserção na cadeia toda.

Os principais resultados do Programa Cana IAC são...

M.L.: O nosso principal projeto é o de melhoramento de plantas que objetiva a criação de novas variedades. Ao longo desses anos, realizamos vários esforços que se somaram para que a gente mantivesse o Programa Cana IAC com excelência. Por exemplo: em 2009, criamos a Estação de Hibridação Cana IAC, em Serra Grande, na Bahia, o que dinamizou e ampliou as nossas atividades para a obtenção de sementes de cana com a finalidade de criar novas variedades. A manutenção do Banco de Germoplasma conta com esse espaço na Bahia.

Várias ações foram nessa direção, até porque, a partir de final de 1994, nós criamos nosso primeiro projeto na Fundação para captar recursos, chamado de Procana IAC. Esse projeto existia desde o início, o modelo dele era para ser uma networking, com muitos profissionais circulando em torno de um projeto em que eles atuavam como uma grande ação complementar. Começamos com 16 empresas, associações e usinas lá em 1994-95 e hoje há quase 200 que estão conosco, em 12 estados brasileiros.

Depois de alguns anos, conseguimos lançar variedades de cana em um fluxo quase contínuo e fizemos outros projetos importantes. Um deles, de muito impacto, foi a criação do Sistema de Mudas Pré-Brotadas, o MPB. Naquele momento crítico da expansão do plantio mecânico, a situação era uma incógnita para todo mundo. O pessoal foi usar os mesmos insumos biológicos da época do plantio manual e descobriu que havia variedades que não brotavam bem quando plantadas mecanicamente. Esse fato originou canaviais bastante falhados, comprometendo o stand da cultura, a população e a produtividade dos mesmos. Como consequência, os produtores passaram a utilizar grandes volumes de mudas, para não ter falha, aumentando demasiadamente o custo do plantio. Quando aconteceu isso, como ação de quase desespero, tivemos a ideia de fazer a gema pré-brotada.

Para tanto tivemos que montar um amplo projeto que estudasse toda a complexidade envolvida na produção e nos desdobramentos dessa nova tecnologia. Muita gente hoje adota o MPB, junto com outro método, conhecido como MEIOSI. Neste caso, as taxas de multiplicação são fabulosas. Antes era um para dez, ou seja, você tinha que ter um hectare para conseguir plantar dez. Com a entrada do plantio mecânico, essas taxas passaram para 1 para 3-4. O MPB possibilitou que com um pouco mais de uma tonelada, nós fizéssemos mudas para plantar um hectare. Houve uma redução do uso de mudas, proporcionando melhor controle de qualidade das mudas e com essa taxa de multiplicação muito mais rápida, é possível adotar uma variedade nova com ganhos expressivos sobre as anteriores, com quatro anos de antecedência. Só essa antecipação de ganhos em quatro anos, em que o produtor ganha dinheiro antes, foi uma grande contribuição nossa que já justifica tudo que desenvolvemos. 

Tornar o conhecimento do ambiente de produção de milhares de hectares dos canaviais brasileiros foi outra importante contribuição que o Programa Cana trouxe por meio do Projeto Ambicana.

A Matriz do Terceiro Eixo é mais uma grande contribuição que mitiga o déficit hídrico, aumentando a produtividade em 12-14 toneladas para cada redução de 100 mm de água no ciclo da planta. Algumas empresas/produtores tiveram incrementos de produtividade na ordem de até 40%.  

As nossas estratégias de seleção de cana são inovadoras. Em 2017, lançamos a variedade IACCTC07-8008, que desenvolvemos para a região de Goianésia, e é a mais adotada naquela região em 2023 e 2024. No primeiro corte ela produz 35% a mais do que as variedades tradicionais. 

 

De que forma esses resultados impactam o setor sucroenergético paulista e brasileiro?

M.L.: Os canavicultores e usinas que estão próximos do Programa Cana IAC e que têm adotado as nossas tecnologias têm conseguido verticalizar a produtividade, de uma forma geral. Isso torna a canavicultura mais sustentável. Esse é o aspecto mais relevante. Como a gente sempre trabalhou muito em cima de materiais mais tolerantes, a seca desse último ciclo de dez anos que ocorreu em São Paulo não trouxe prejuízos tão significativos a esse grupo de variedades, que foram muito bem e se destacaram. De modo não intencional, nós acertamos a adoção de sites onde o déficit hídrico se repetia anualmente, como é o caso de Goianésia.

Nós acompanhamos e desenvolvemos os protocolos, indicando o tipo de cultivar e outros aspectos sobre a cana crua que, na década de 1990, foi paulatinamente deixando de ser queimada, com a adoção da cana crua. Quando ela era queimada, nas décadas de 1980-90, trazia uma situação meio perturbadora nas casas, no interior, porque sujava a roupa, o quintal. O IAC contribuiu muito ao apresentar variedades que foram melhores para a cana crua e ao divulgá-las através do Grupo Fitotécnico.

 

Como a população urbana é beneficiada pelo trabalho do Programa Cana IAC e de seus parceiros?

M.L.: Nós tivemos a oportunidade de praticamente abrir a canavicultura em algumas áreas que nunca tinham tido cana-de-açúcar. Por exemplo, no estado de Goiás, em Quirinópolis, quando fomos para lá, 20 anos atrás, não havia sequer um bom restaurante e um hotel razoável. Tudo era muito precário. Nós tivemos uma série de ensaios naquela região e identificamos várias variedades mais adaptadas e as indicamos para as usinas, que então conseguiram entrar com um nível de produtividade muito bom. Isso fez com que, por exemplo, Goiás, nos últimos cinco anos, alcance produtividade maior que a de São Paulo porque eles adotaram aquilo que o IAC preconiza mais do que os produtores paulistas. E o IAC foi um protagonista nessa escalada de produtividade. Assim eles acabaram tendo mais sucesso na atividade, melhor renda e maior conforto para a família. Tem muitos benefícios para a área urbana em função do aumento da produtividade na canavicultura.

 

Você comentou sob uma ótica mais profunda, de quem conhece o setor e todo o seu impacto, porque normalmente se pensa na geração de açúcar e etanol. Mas existe muito mais...

M.L.: Eu sempre olhei muito essa interface da atividade agrícola com as pessoas que estão próximas dela. Desde o início da minha carreira, eu já pensava isso, talvez porque a família do meu pai era de agricultores, 95 anos produzindo leite, cana, café. Então eu entendi bem essa interface e me chamava a atenção. E torcia muito para manter as pessoas no campo.

Eu vi isso acontecer no interior de Goiás e de Minas Gerais, vi cidades florescerem com crescimento de empregos. Locais onde não havia praticamente emprego de nível superior e, hoje em dia, têm engenheiro agrônomo, civil, químico, florestal. Houve mudanças em tudo lá, inclusive no ensino das escolas daquelas cidades, como o caso que eu vi: as esposas desses engenheiros se uniram para levar boas escolas para lá. Esses são os reflexos de um setor agrícola forte como o nosso para o entorno urbano.

 

Para onde caminham as pesquisas em canavicultura nos próximos dez anos?

M.L.: Há muito por fazer. No Brasil, como houve uma expansão muito grande da cana, nós precisamos entender melhor as áreas novas. Nas últimas duas décadas foram acrescidos quase quatro milhões de hectares. Saltamos de 5,2 milhões para quase 10 milhões. Esses quatro milhões de hectares nas novas áreas são extremamente heterogêneos em termos de solo e regime hídrico, então tem muita informação para ser gerada nesses novos ambientes.

E um dos problemas que se tem nesses novos ambientes é o alumínio no horizonte B (faixa do solo que está abaixo de 1 metro de profundidade). O alumínio é um elemento que, em alta quantidade, é tóxico para a planta. E no horizonte B ele inibe a formação da raiz, levando as plantas a ficarem com um sistema de raiz muito superficial, deixando-a muito exposta à seca.  Essa aí foi uma informação importante, que foi gerada e depois usada para fazer manejo.

Existem ainda muitas informações a serem trabalhadas por conta dessas novas áreas. Temos que trabalhar o conhecimento novo da genética da cana, que é muito complexa. Como é que você faz a manipulação das características da cana? Isso aí é tudo meio novo ainda e por isso ainda há muito por fazer.

 

Nesse processo, quais são as estratégias do Programa Cana IAC para esses próximos anos?

M.L.: Basicamente vamos manter a estrutura de pesquisa que nós já criamos e perceber algumas inclusões no que diz respeito, por exemplo, à matéria-prima e ao objetivo, aspectos importantes no melhoramento de variedades, como aconteceu 10-15 anos atrás, na situação da cana-energia.

A variabilidade dos nossos genótipos em nossos bancos de germoplasma nos permite usá-los para fazer as combinações e obter materiais com um perfil um pouco distinto da cana agroindustrial de hoje. De certa forma, temos que estar sensíveis à indústria, saber para onde ela caminha e qual a sua necessidade. É claro que o melhoramento genético vai ser bastante usado. O conhecimento que está sendo acumulado na área de herdabilidade e de biotech vai nos permitir, talvez, maior velocidade para obter variedades num período um pouco mais curto. Como nós estamos já em 10 milhões de hectares e há uma possibilidade de aumentar para 15-16 milhões, significa que nós vamos ampliar o uso de solos e regiões diferentes. Isso requer o acompanhamento de toda a parte de caracterização agroambiental e, principalmente, entender como esses novos tipos de cana que estamos criando: como eles se portam, qual é a performance, a adaptabilidade a essas diferentes condições que estão sendo ampliadas.

Outro fator está na indústria automobilística. Para sustentar a canavicultura se por exemplo esses modelos híbridos de automóveis com utilização de etanol ou o etanol como propulsor inicial a um pequeno motor dentro do carro que gera energia, que na realidade é um carro elétrico, mas que ele não vai carregar na tomada, ele vai com etanol e gera energia suficiente, por exemplo, para fazer 30 quilômetros por litro de etanol, como já está acontecendo em alguns projetos. Se isso se concretizar e se tornar a principal opção de carro elétrico do mundo, muito possivelmente nós teremos que fazer novas contas envolvendo o etanol no mundo, pois vai haver grande demanda sobre esse tipo de energia sustentável para o Brasil e as oportunidades serão muitas. Então, possivelmente nós vamos triplicar ou quadruplicar o volume de etanol que produzimos hoje. Isso significaria mais 5-6 milhões de hectares de cana-de-açúcar. O Brasil tem perto de 8% de seu território ocupado com agricultura. A cana chega a 1% dessa área total. E para fazer essa possível ampliação, saltaríamos para 1,4% de todo o território usado pela agricultura. É pouco, seria um acréscimo de 0,4%. Se houver esse crescimento, teremos que aprimorar as ferramentas usadas atualmente e entender melhor a ação dos genes da cana e a tolerância que ela tem para condições desfavoráveis à produção, como a seca e presença de alumínio no solo.

 

O Programa Cana IAC completa 30 anos e a estação de hibridação, 15 anos. Como ter a própria estação impactou os resultados do desenvolvimento de variedades nesse último período?

M.L.: Com a própria estação de hibridação, instalada na Bahia, o Programa Cana IAC ganhou velocidade maior na obtenção e na conclusão das variedades desde o início. A equipe passou ter o estudo da nossa coleção, do nosso germoplasma, avaliando-os como genitores, que passam as características de hábito ereto, maior teor de sacarose ou maior produtividade. A caracterização ficou muito rica com estrutura própria, que cria uma condição de vantagem competitiva para o Programa Cana IAC porque essa coleção foi sendo construída ao longo de 30 anos e durante esse período esses materiais vêm sendo estudados. Então é uma vantagem muito grande para qualquer programa de melhoramento porque você conhece muito bem o seu banco, sabe como utilizá-lo, conhece bem a cultura e usa os critérios aproximados de uma forma temporal.

 

O Programa Cana IAC tem uma equipe que roda o Brasil estudando e interagindo com o setor. O que o líder deste Programa diz a esse time nesse momento de celebração dos 30 anos?

M.L.:  Como líder desse Programa, nós somos muito gratos a toda a equipe pelo comprometimento, pela dedicação, pelo talento de cada um e por ver que seguimos atuantes e competitivos. Nós estamos ganhando, nesses últimos quatro anos, áreas importantes da canavicultura brasileira, conquistando a confiança cada vez maior dos produtores e agora, mais do que nunca, vamos ampliar ainda mais a nossa ação e com maior apoio. Que Deus possa nos guardar em todos os futuros capítulos.


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